quarta-feira, 17 de setembro de 2008

o fim dos mundos

Não pude, de forma alguma, fazer aqui justiça ao poder explicativo do realismo modal. Isso seria coisa bastante descabida num blog. Fiquei-me, pois, por um único exemplo. Mas, felizmente, não há virtude explicativa capaz de salvar esta teoria que, além de inspirar a maior repugnância ao senso comum, parece ter corolários práticos e epistémicos pouco recomendáveis. E isto porque há uma razão tremendamente forte para crer na sua falsidade. (O que é um alívio, dado que nenhuma razão me faria acreditar na sua verdade.)

O mundo actual exibe um grau impressionante de ordem e regularidade. Os objectos físicos obedecem escrupulosamente a leis que conhecemos bastante bem, etc. Não vale a pena aprofundar o óbvio. O mundo actual, enfim, é como uma sala bastante bem arrumada, para usar uma imagem intuitivamente apelativa.

Exploremos a analogia. A sala, sem dúvida, poderia estar melhor arrumada. Ou seja, entre todas as disposições possíveis dos objectos que esta contém, algumas corresponderiam a um grau ainda maior de ordem ou regularidade. Mas muitas outras -- a vastíssima maioria das disposições possíveis, na verdade -- corresponderiam antes a um grau enorme de desorganização.

Recordando agora a experiência mental apresentada neste post, consideremos as seguintes hipóteses:
  1. Só a sala actual é real.
  2. Todas as salas possíveis são reais.
Dada a situação em que estamos, que hipótese merecerá o nosso assentimento? Evidentemente, a primeira. Se só a sala actual for real, nada será menos surpreendente do que o facto de estarmos nela. (É como tirar a bola vermelha se não houver nenhuma outra bola na tômbola.) Pelo contrário, se todas as salas possíveis forem reais, ficaremos numa posição extraordinária: havendo um enorme predomínio de salas caóticas, habitar uma das salas arrumadinhas envolve uma sorte incrível. (É como tirar a bola vermelha se existirem milhões e milhões de bolas brancas.)

Passemos, por fim, das salas aos mundos inteiros. Primeiro facto: o mundo actual é notavelmente regular. Segundo facto: entre todos os mundos possíveis capazes de admitir habitantes como nós, aqueles que são muito irregulares predominam de forma esmagadora em relação aos que têm um grau de regularidade semelhante ou superior ao nosso. Nestas circunstâncias, a hipótese do realismo modal coloca-nos numa posição ridiculamente improvável: a de habitarmos um dos raros mundos com um grau de regularidade muito apreciável. Pelo contrário, a hipótese de que só o mundo actual é real torna a nossa posição absolutamente aborrecida: sim, habitamos este mundo muito arrumado e tal, mas o que tem isso de surpreendente? Rigorosamente nada, pois não há outro mundo para habitar.